terça-feira, 3 de março de 2009

Perplexidades e amadorismo no futebol

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: FUTEBOL NO BRASIL
PROFESSOR(A): RAFAEL RAJÃO
ALUNOS: THIAGO MARTINS LOPES DE FARIA



Desenvolvimento do Futebol no Brasil

O processo de desenvolvimento do futebol é muito mais complexo do que uma simples evolução natural, ou seja, não pode se explicar o futebol apenas por uma evolução sistemática. A explicação que, com o passar do tempo este esporte foi se difundindo, e, logo se tornou um esporte de massa que naturalmente se transformou em um meio de lucro e muito simplória e não da conta de interpretar o verdadeiro processo que ocorreu.


Uma das soluções que proponho para, este problema é analisar o processo através de várias ferramentas, como por exemplo tendo uma visão sociológica, histórica, econômica, cultural, política e entre outras. Não posso esquecer de mencionar a importância que o futebol possui na nossa sociedade contemporânea, quando surgiu, houve várias discussões em torno da sua importância ou não na sociedade. Hoje em dia essa discussão não cabe mais, o que deve ser debatido e interpretado por vários estudantes do assunto é a sua difusão na sociedade e quais são as implicações do jogo, interpretações e entre outras variáveis que podem ser pensadas em volta desse esporte. Vale lembrar, que, ao referirmos a palavra futebol, não estamos dizendo apenas sobre o futebol dos grandes clubes e, sim, de todas as práticas que envolvem este esporte, como o futebol de várzea, colégio e entre outros lugares que acontecem essa prática. Podemos, dizer que os futebóis profissionais dos grandes clubes e públicos são, só, a ponta do iceberg.

É bom lembrar que estou analisando o processo do futebol apenas no Brasil. A introdução do futebol no Brasil esteve intimamente ligada aos ingleses. A explicação mais plausível para essa ligação é que o futebol surgiu neste país. Neste período histórico os ingleses tinham muitos negócios no Brasil, que giravam em torno da economia cafeeira. Nada mais natural que os ingleses que jogavam futebol na Inglaterra jogassem futebol no Brasil. Nessa época, o futebol esteve restrito a fabricas onde os ingleses trabalhavam. É importante frisar que eles não incentivaram os brasileiros a participarem do futebol. A restrição ao futebol era uma forma de garantir a distinção social. Mas não demorou para que os Brasileiros dessem os primeiros pontapés. A própria falta de jogadores para completar dois times foi motivo da incorporação de Brasileiros no esporte. A difusão entre os Brasileiros não foi igual, ou seja, os de classe mais favorecidas foram as primeiros a darem os pontapés iniciais. Essa classe tinha uma maneira elegante de enxergar o futebol. Eles fundaram os primeiros clubes Brasileiros como o Fluminense, Flamengo, Botafogo e entre outros.Os operários tiveram acesso ao futebol nas fábricas mas, neste momento o esporte já se encontrava muito mais popular.

A incorporação do futebol pelas classes mais favorecidas, vem, carregada de diversos valores dentro do esporte. A instauração da república no país era bem recente, todo um conceito de modernidade e progresso estava em curso nessa época. O futebol era uma das representações do progresso e modernidade instaurados pela república. Os espaços de convivência social eram ainda poucos e os que estavam surgindo, eram na maioria insipientes nas cidades brasileiras como os cinemas, teatros, parques e entre outros. Portanto o futebol também era um lugar de encontros sociais e legitimador do novo estilo de vida. A ética também era um dos valores que o futebol trazia, através do esporte se enobrecia a alma, gradualmente iria adquirindo certa disciplina, sem falar no flair play, a violência não fazia parte do jogo, existia sim uma disputa natural do jogo que não pode ser considerado violência. As desavenças geradas no jogo não eram levadas para fora dali.

É importante frisar que, fora a diversão gerada pelo esporte havia dentro dos clubes, uma verdadeira vida social. A própria partida de futebol era um ritual social. As mulheres iam campo com seus vestidos longos e maquiadas. Os homens iam com seus ternos impecáveis. Sem falar no uso da fitinha nos chapéus. Essas fitinhas viam da Europa nas cores do time. Os torcedores que ainda não tinha as suas fitinhas se sentiam frustrados ao verem as fitinhas com outros torcedores. A fita era uma distinção social clara. Nessa época já havia torcedores de classe social menos favorecida nas partidas, estes ficavam na geral. E por mais que, fossem freqüentes nas partidas estes torcedores não eram do clube. Podia-se torce para o Fluminense mas, não se era um fluminense. Fora todo este ritual nas partidas de futebol, a vida social continuava nas sedes do clube que era espaço para várias festas e encontros sociais. A sede do clube virou um verdadeiro ponto de encontro dos membros.
A idéia de participação nacional foi aumentando com o surgimento de vários clubes onde cada um representava um bairro. Essa aproximação geográfica foi criando uma identidade com os clubes. Mas a participação popular esteve intimamente ligada ao fato dos operários jogarem nos times das fabricas, que cederam um terreno dentro da fábrica para o campo e a sede do clube. Acreditava-se que com isso os operários seriam mais disciplinados e dedicados no serviço. Ao contrário dos clubes da elite carioca e da colônia inglesa não havia nos clubes de fábricas maiores restrições para os operários participarem. As restrições foram aparecendo devido o aumento do número de jogadores. Com isso, a falta de habilidade com a pelota foi deixando de fora estes operários do esporte. Pelo menos, dentro dos clubes nas fábricas, é claro que os menos habilidosos davam os seus pontapés nos campos de várzea. Agora a identidade com a vizinhança também foi sendo formado nos bairros do subúrbio onde estavam instaladas as fábricas. Houve com isso o aumento do número de torcedores em escala exponencial. Aumentou consideravelmente também, a transferência constante de jogadores das fábricas para os grandes clubes. Com esses episódios de transferência de jogadores das fábricas para, os grandes clubes, foi sendo criado dentro das fábricas vantagens e privilégios aos jogadores habilidosos.

A popularização nessa época foi imensa gerando com isso vários conflitos, eles foram vários como a rivalidade entre torcedores de times diferentes, a repressão por parte das classes mais favorecidas as classes menos favorecidas, a trapaça dos clubes que disputavam campeonatos com o time principal sendo que o campeonato era para times secundários, Affonso de Miranda retrata os conflitos entre os intelectuais que apoiavam o esporte e entre os intelectuais que criticavam ferrenhamente o futebol. Nessa fase, de maior popularização do futebol, houve uma grande mudança devido à sua extensão, a uma população de classe social menos favorecida. Essa transformação consiste em que, a classe favorecida que, implantou o futebol. Tinha uma visão bem diferente da visão que, seria criada pelos operários e outros membros do subúrbio. O futebol não seria visto da mesma maneira por esses novos praticantes, os valores que este esporte trazia não eram mais a disciplina, o flair play, o cavalheirismo, o progresso e entre outros valores. Para essa nova classe a malandragem, esperteza, malicia e até certa maldade era visto com bons olhos neste esporte. Sem falar no espírito de conflito criado por este público que, já existia mas, nessa fase ele se tornou muito maior. Os estádios tinham de ser muito maiores para abrigarem o grande número de torcedores que iam aos jogos. Esse aumento de torcedores nas partidas só fez aumentar ainda mais o conflito entre os torcedores, criando rivalidades eternas entre alguns times. Um outro conflito que surgiu nessa época foi entre os intelectuais da época, os que apoiavam e enobreciam o esporte eram atacados pelos que, dizia ser o esporte, um vício qualquer como o jogo e a bebida. Casos pitorescos como, a jovem Albina esposa do carteiro Washington Neves, que a troca pelos campos de futebol do subúrbio, esta se suicidou, em um caso de grande repercussão pela cidade. Um prato cheio para os críticos ferrenhos do esporte. O ponto em comum dos defensores do jogo e seus combatentes e que, estes eram incapazes de enxergarem o grupo de operários e pessoas do subúrbio uma escolha autônoma em que, estes não eram meras vítimas dos seus discursos, e que o futebol não era um instrumento de manipulação dos trabalhadores. Dessa forma, eram desconsideradas as motivações próprias de atuação destes sujeitos.

A partir desse momento de popularização do futebol começou se, a discutir sobre a profissionalização do futebol período considerado como o “amadorismo marrom”. O profissionalismo foi tema dos mais acirrados debates muitos dos clubes grandes não quiseram se tornar profissionais. Um dos principais motivos que deram para o pontapé da discussão do assunto foi à evasão de jogadores brasileiros para o exterior, principalmente de paulistas para a Itália. Para se ter uma idéia dessa evasão, dos 30 jogadores da seleção paulista mais de 15 foram para Itália. A essa altura, o futebol brasileiro tinha uma função semelhante a que têm hoje os times pequenos do interior que, é, revelar bons jogadores para os times grandes da capital, nesse caso, seriam os países europeus, e na América do Sul, Argentina e Uruguai. Uma visão mercantil estava em franco desenvolvimento nessa época na cabeça de alguns dirigentes dos clubes de futebol mas, muito dos dirigentes eram pró-amadorismo. A profissionalização do futebol viria acompanhada de uma ruptura com a ética amadora, não se podia mais falar em futebol pela simples diversão. Mas devemos deixar claro que, não havia muitas opções ao futebol brasileiro. Tínhamos como opção nos tornarmos um futebol subalterno e pequeno, em função de um falso amadorismo que, na verdade explorava o jogador, e como segunda opção a profissionalização do futebol no Brasil, como forma de evitar que ele se tornasse uma espécie de fornecedor de “matéria-prima” dos argentinos, uruguaios e europeus. A ruptura com o futebol amador consistia em diversas mudanças como por exemplo, o jogador de futebol deixaria de ser sócio do clube para ser funcionário deste. O preço dos ingressos para os torcedores assistirem as partidas iriam aumentar de forma que o clube tenha meios para o seu sustento. Os títulos se tornariam muito mais importante para os clubes, dando a eles visibilidade e destaque entre os demais. O processo de profissionalização foi conturbado as diversas ligas que existiam não concordavam entre si, temos como exemplo a copa do mundo de 1930 que devido a desentendimentos entre CBD e APEA acabou que, os jogadores Paulistas que, eram a maioria dos convocados para a participação do Brasil na copa, não foram. Episódios como este revela como, era difícil buscar um consenso entre os diversos dirigentes dos clubes e entre as diversas ligas. A profissionalização do Futebol teve início no Rio com a criação da LCF que criou uma liga profissional e que foi seguida pela APEA em São Paulo. No processo de criação da LCF que, foi o pontapé para a profissionalização, vários clubes grandes do Rio não concordaram com a sua criação como Botafogo, Flamengo e São Cristóvão. Apenas a discordância destes clubes com a mudança para a profissionalização, demonstra como foi um processo difícil e com muitos opositores e ao mesmo tempo, deixa sinais claros que não foi um processo tão simples e natural como podem pensar alguns. Outro processo conturbado foi a criação da FBF que, foi a criação de uma liga profissional nacional que entraria em conflito com a CBD que, era a entidade responsável pelo futebol no Brasil mas não tinha aceitado ainda a profissionalização no futebol. Mas após um longo processo de discussão a CBD entrou em um acordo e a FBF seria absorvida por ela que era a entidade oficial. Este processo de ruptura entre a o “amadorismo marrom” e o profissionalismo foi bastante conturbado, como a maioria das rupturas entre um sistema e outro. É preciso ressaltar que, os vestígios do futebol amador continuaram por muito tempo e de alguma forma permanecem até os dias de hoje.

Bibliografia
Pereira, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania:uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. pág 230-255;288-294
Antunes, Fátima Martin R. Ferreira. “O futebol nas fábricas”. In: Revista Usp, São Paulo, n. 22, pág 102-109, jun/ago. 1994
Leite Lopes, José Sergio. “Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro’ In: Batalha, Cláudio H.M; Silva, Fernando Teixeira & Fortes, Alexandre. Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Unicamp, 2004 pag. 121-163
Pereira, Leonardo Affonso de Miranda. Capítulo 8 – O jogo dos sentidos: os literatos e a popularização do futebol no Rio de Janeiro. In: Chalhoub, Sidney &. A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998 pag.195-231.
Caldas, Waldenyr. Pontapé Inicial: memória do futebol brasileiro (1894-1933). São Paulo: IBRASA, 1990 pag.191-223.

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