segunda-feira, 18 de maio de 2009

Crítica cultural

Thiago Martins

Outro Sentido – Turma Y

Crítica Cultural –

Revista: Playboy         

Portas abertas da família Assumpção

Em uma saga impressionante de uma família tradicional o auge e decadência,  em duzentas páginas de Chico Buarque de Holanda

 

Venerado e adorado por todas, decididas e ninfetas, lindas e gostosas, Chico Buarque de Holanda é o sonho de toda mulher da Playboy. Sendo ele e sua obra um manual da mulher, não é um manual tão claro assim, afinal de contas Chico demonstra em sua genialidade justamente neste ponto, que a alma feminina é decididamente complexa e singela ao mesmo tempo.

Se ele já provou sua sensibilidade e talento artístico faz tempos, agora Chico mostra sua maturidade em seu lado escritor. Chico envelhece como o vinho e se não tem como melhorar, ele muda sua faceta. Neste ponto ele nunca perde sua jovialidade é sempre versátil.  Em seu novo livro, Leite Derramado, o escritor narra a história a partir do ponto de vista um enfermo, que se encontra no leito do Hospital.

Em seu quarto livro, Francisco Buarque já não é um escritor inseguro, se é que foi alguma vez. Nesta obra, temos uma narração autobiográfica de um velho, já com mais de 100 anos. O personagem Eulálio d`Assumpção membro de uma tradicional família carioca é no mínimo uma boa surpresa. Se no início da narrativa ela mostra sua descendência e abastança de sua família como na passagem “os assuntos de família se tratavam em francês, se bem que, para mamãe, até me pedir o saleiro era assunto de família”, com o passar de sua narrativa Eulálio vai se revelando elitista, preconceituoso, machista, racista, ignorante e como se não bastasse imoral.

Para Eulálio enrabar o empregado da família, Balbino, era uma questão de sua vontade apenas, um empregado negro não tinha a opção de negar o seu rabo pra um Assumpção. Um ponto de grande impacto na obra de Chico é seu vocabulário erótico e às vezes extremamente coloquial como “Vai toma no cu”, “Ordinária, pensei, puta, pensei” e pornográficas como “fode eu, negão!, enraba eu, negão!”, mas o seu caráter cômico é magistral, é praticamente impossível não dar gargalhadas em algumas páginas do livro, como na passagem que o velho Eulálio, depois de cheirar duas carreiras de cocaína, comemorando os seus cem anos pede uma carona aos Policiais e no caminho diz “Perguntei-lhe se estavam felizes aqui ou se pretendiam voltar para a África” e continua “opinei que servir na Polícia era um grande progresso para os negros, que ainda ontem o governo só empregava na limpeza pública”, isto com dois Policiais negros levando o velho em casa. Os comentários racistas de Eulálio são uma constante no livro, assim como seu nariz empinado. Eulálio é do tipo que perde tudo, de menos sua linhagem nobre.

Tem se falado por aí que Chico neste livro é altamente influenciado por Machado de Assis, sendo o seu personagem uma mescla de Brás Cubas e Bentinho. O primeiro é um inconseqüente, gastador e inútil em toda sua vida, o segundo é machista, patriarcal e fantasia as supostas traições de sua esposa. Tudo bem é verdade que há certas semelhanças. Aliás, Matilde esposa de Eulálio sofre em toda narrativa, ao ser retratada das mais diversas formas, sempre como uma adultera, irresponsável, louca e traidora. Como a narração é confusa e totalmente baseada em fatos da cabeça de Eulálio, não podemos chegar a juízo de valor de suas acusações a qualquer personagem citado no livro. Já sobre Machado, este é como os Beatles são para o rock uma eterna influência e Chico bebeu sim do estilo Machadiano, assim como todo bom escritor brasileiro que se preze. O mesmo acontece com as mulheres da Playboy que se inspiram nas eternas curvas de Marilyn Monroe .

A narrativa de Chico é histórica, já que perpassa por vários momentos como Império, Primeira República, Era Vargas, Ditadura, mas sem se prender a fatos históricos, são citados alguns pontos, como que tema de referência para o leitor. Cada membro da família representa uma época o avô barão do Império, o pai senador da Primeira República, o neto é um comunista durante a ditadura militar e o tataraneto é traficante. Além do mais a narrativa não é necessariamente lógica e fiel à realidade como dito pelo próprio narrador “Do jeito que anda relapsa, quando você compilar minhas memórias vai ficar tudo desalinhado, sem pé nem cabeça”. Chico não abandona a característica mais notável em toda sua obra musical, teatral e como escritor que é sua linguagem poética “E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida....naquele tempo a gente era veloz e o tempo se arrastava”

Apesar do livro ser ótimo e muito divertido, ele carrega o seu lado pessimista, que é a decadência total de uma família.Percebemos na narrativa de Eulálio a perda de vários imóveis e bens. Primeiro o palacete em Botafogo, o chalé em Copacabana, a fazenda que se transforma em favela e até o mesmo o jazigo da família. Apesar de toda a pompa e depreciação das classes baixas por parte de Eulálio o leitor há de ficar com pena deste velho desbocado e imoral, que passou a maior parte de sua vida a chorar por sua mulher, que nem sabemos ao certo o que lhe aconteceu. E por ver sua filha e netos irem sempre mais perto do fundo do poço. Como sempre Chico está encantador, erótico, obsceno, sensual e impossível de não ser lido, ou melhor, devorado.

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